Alimento, segurança alimentar e segurança do alimento, direito e necessidade humana.
O alimento é um direito humano e essencial, no entanto, a qualidade dos alimentos consumidos diariamente são igualmente Importantes. Tanto a segurança alimentar quanto a segurança do alimento devem ser asseguradas a todos, porém estes dois termos acabam se confundindo entre si. A definição de “segurança alimentar” é aclarada pelo extinto Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, como sendo o “direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis¹”. Ao passo que a “segurança do alimento” refere-se à garantia de que o alimento comercializado seja realmente de qualidade e não tenha contaminantes químicos, como, por exemplo, resíduos de metais pesados e agrotóxicos; contaminantes físicos, como parte de insetos, pedras ou contaminantes biológicos, como bactérias, parasitas e protozoários².
Por outro lado, entende-se por Insegurança alimentar a dificuldade de acesso à alimentação de forma a satisfazer as suas necessidades, conforme a definição da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)3 e ela se divide em: leve: acontece em decorrência da falta de disponibilidade de alimentos, devido a problemas como a sazonalidade; moderada: quando a variedade e a quantidade de alimentos disponíveis ficam limitadas e prejudicam o consumo sob o ponto de vista nutricional; grave: quando não é possível fazer nenhuma refeição durante um dia ou mais.
O Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA) foi criado em 2003 como instrumento de articulação entre o governo e sociedade civil visando construir propostas e diretrizes para as ações na área da alimentação e nutrição, porém, o Presidente Jair Bolsonaro no seu primeiro dia de governo, extinguiu o órgão através da Medida Provisória nº 8704. Atualmente, o SISAN (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) é “gestor intersetorial de políticas públicas, participativo e de articulação entre os três níveis de governo para a implementação e execução das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional”. E, dentre suas atribuições está: “...formular e implementar políticas e planos de segurança alimentar e nutricional; estimular a integração dos esforços entre governo e sociedade civil na promoção do direito à alimentação; e promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da segurança alimentar e nutricional no país”5.
No Brasil, ações de melhoria da qualidade da alimentação têm se tornado pouco efetivas, principalmente depois da aprovação da chamada “PL do veneno - PL 6.299” que autorizou o registro de 1.560 novos ingredientes (agrotóxicos/pesticidas/produtos de controle ambiental), apenas entre janeiro de 2019 a fevereiro de 2021, conforme informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama)6. Muitos desses agrotóxicos são de uso proibido nos EUA e na União Europeia. Por outro lado, o crescimento do Agronegócio tem atendido às expectativas de investidores do setor, segundo Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos: as perspectivas para o agronegócio brasileiro são favoráveis em 2022. “O Brasil deverá continuar se destacando, com nova safra recorde de soja, recuperação dos volumes de milho e alta competitividade em proteínas animais. A expectativa de continuidade da retomada econômica mundial, aliada aos estoques globais apertados, deve seguir favorecendo o cenário para exportações de soja, milho e açúcar7”
Diante desse cenário de crescimento para uns, como explicar o aumento tão expressivo de pessoas que não têm nada para comer? Segundo dados extraídos do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil8 – divulgados em 08/06/2022: “33 milhões de pessoas não têm o que comer”. Essas informações são alarmantes levando-se em conta que em 2014 o Brasil havia saído do mapa da fome da ONU. As informações apresentadas pelo relatório mostrou fragilidades e desigualdades enfrentadas pelo povo brasileiro e o crescente mapa da fome, pois, de acordo com os dados 58,7% da população brasileira convive com algum tipo de insegurança alimentar em grau leve, moderado ou grave, ou seja, de fome total. E ainda, que o endividamento, a venda de bens ou equipamentos de trabalho e a necessidade de algum/a morador/a parar de estudar para contribuir com a renda familiar atingiram mais de 40,0% dos domicílios em Insegurança Alimentar moderada ou grave.
Claro que a pandemia ocasionou a perda de renda para muitas famílias, o que também contribuiu para que o aumento da insegurança alimentar ficasse ainda mais agravada. Porém, de acordo com a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais (SCRI) do Ministério da Agricultura7, Pecuária e Abastecimento, as exportações do agronegócio alcançaram valores recordes para o mês de dezembro de 2021. Foram US$ 9,88 bilhões, valor recorde para os meses de dezembro: 36,5% superior aos US$ 7,24 bilhões de 2020.
Os dados do crescimento da fome, em comparação com os recordes do agronegócio, demonstram claramente que há concentração de renda nas mãos de poucos e nenhuma política de investimentos onde realmente é necessário. Pensar no sustento básico da população deveria ser a prioridade de todo e qualquer governo. Sem comida adequada na mesa as pessoas não conseguem sequer pensar e ai, fica fácil taxá-las de preguiçosas e dizer que não querem trabalhar ou estudar. Mas 33 milhões de brasileiros não têm o que comer em um país referência mundial no Agronegócio, não precisa ser um grande economista para entender que tem muita coisa errada nesta matemática.
É impossível ficar inerte diante de um quadro desses porque quem tem fome, tem urgência de comida. Porém, as pessoas já perceberam que não podem contar exclusivamente com a ajuda do governo, neste momento é que são importantes as pequenas associações, organizações religiosas e cooperativas. Como exemplo, pode-se citar o MST9 que desde o início da pandemia, doou mais de 6 mil toneladas de alimentos e 1.150.000 marmitas para pessoas e famílias inteiras em situação de fome e insegurança alimentar em todas as grandes regiões do país, e o Padre Júlio Lancelloti, da Pastoral de rua e militante de Direitos Humanos, que tem levado comida à população de rua na cidade de São Paulo10, ou a distribuição de marmitex por um grupo de amigos na cidade de Juiz de Fora/MG11. Sejam grandes ou pequenas ações, mas que seja feita alguma coisa para que não falte comida no prato do povo brasileiro.
REFERÊNCIAS
¹Brasil. Decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2010; 26 ago.
²https://alimentacaoemfoco.org.br/o-que-e-seguranca-do-alimento/
3https://ois.sebrae.com.br/comunidades/fao-organizacao-das-nacoes-unidas-para-a-alimentacao-e-a-agricultura/
4https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/135064
5https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/inclusao-produtiva-rural/direito-a-alimentacao-1/sisan-sistema-nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional
6http://www.ibama.gov.br/agrotoxicos/182-quimicos-e-biologicos/agrotóxicos
7https://investnews.com.br/financas/agronegocio-em-2022/
8https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf
9https://mst.org.br/2022/01/14/mst-ultrapassa-6-mil-toneladas-de-alimentos-doados-durante-a-pandemia/
10https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/04/04/padre-denuncia-tentativa-de-impedir-distribuicao-de-comida-na-cracolandia.htm
11https://tribunademinas.com.br/noticias/cidade/04-04-2021/procura-por-comida-aumenta-em-juiz-de-fora-e-instituicoes-pedem-doacoes.html