Francesco: o documentário, as notícias e as leis.
Por Cláudia Chaves Martins Jorge
Estreou no festival de Cinema de Roma, dia 22/10/2020, o documentário Francesco do cineasta Evgeny Afineevsky, que fecha a trilogia “Winter of fire” (Netflix) e “Cries from Syria” (HBO), com abordagens de questões humanas em cenários de guerras e devastações, mostrando o Papa humano e fonte de inspiração para o mundo. Nas palavras do próprio Cineasta, “Para mim, que não sou católico, que sou judeu e nascido como ateu na Rússia, era importante mostrar ao mundo que eu, com a minha perspectiva não religiosa, posso ver o que este homem faz e como nos inspira”. Segundo o autor, Francesco não é um documentário sobre o Papa apenas: “Não o vejo como um documentário sobre o papa, é um documentário sobre todos nós, toda a humanidade que cria desastres, agride o meio ambiente, monta todas estas guerras que fazem os migrantes fugir, cria o abuso sexual, que não existe só na Igreja, mas também em Hollywood”¹.
Em parte do documentário, há uma fala do Papa onde ele ressalta como a humanidade tem colocado em risco sua própria existência pela forma como cuida do planeta terra, e a denomina de “nossa casa jardim”, e afirma ainda que a humanidade vive uma crise, que não é somente econômica, mas também ecológica, educacional, moral e humana. Mas o documentário ganhou destaque nas mídias sobre o posicionamento do Papa Francisco sobre o relacionamento de pessoas do mesmo sexo².
Segundo Evgeny Afineevsky, a questão da homossexualidade é abordada quando Andrea Rubera entregou ao Papa uma carta onde relatava o receio de levar suas crianças à igreja, por serem filhos de um casal homossexual, mas o Papa o encorajou para que as levassem sim e que fossem sinceros com o pároco da igreja onde frequentavam, sobre as questões familiares. Da mesma forma o Papa, em um voo do Rio de Janeiro para Roma, durante a Jornada Mundial da Juventude em 2013, respondeu ao ser questionado: “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?” O Papa se mostrou acolhedor a todas as pessoas, e em uma viagem entre Geórgia e Azerbaijão em 2016, afirmou: “As pessoas devem ser acompanhadas como as acompanha Jesus. Quando chega diante de Jesus uma pessoa que tem esta condição, com toda a certeza Jesus não lhe dirá: vai-te embora porque és homossexual, isto não”.
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Amoris Laetitia” de 2016, sobre o amor na família, o Papa Francisco acentua que “cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar qualquer sinal de discriminação injusta, e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida”³. Mas o Papa deixou claro em uma entrevista concedida ao francês Dominique Wolton autor do livro Polítique et société que “O matrimónio é a união de um homem com uma mulher4.”
No entanto, é necessário se fazer a diferenciação entre o casamento religioso, que segue princípios e preceitos da igreja, e o casamento civil, que é um “contrato” firmado entre as partes, que tem o poder de alterar o estado civil delas (de solteiros para casados) ocasionando implicações legais e patrimoniais, dependendo do regime de casamento escolhido. A legislação brasileira que trata do casamento civil também não foi alterada, para permitir, literalmente, o casamento ou o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Assim dispõe o Código Civil5:
“Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.”
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Porém, a partir de uma interpretação constitucional, a Resolução 175 de 14/05/2013 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) autorizou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, pautado na ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, ações que visavam obter o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. No julgamento, a Suprema Corte brasileira reconheceu o conceito ampliado do termo “família”, com base no princípio constitucional da igualdade. Ainda de acordo com o Código Civil, o casamento religioso pode até ser convertido em civil, desde que atenda as exigências da lei para validade. Ou seja, por enquanto, não é a lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo e sim, um entendimento do CNJ e da Suprema Corte.6
Referências:
¹ https://www.snpcultura.org/francesco_e_um_documentario_sobre_a_humanidade.html
² https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54639743
5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada
6https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_175_14052013_16052013105518.pdf
A imagem pode ser consultada em: https://www.vaticannews.va/en/pope/news/2020-10/new-film-documentary-francesco-pope-francis-rome-film-fesival.html