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"Vai lendo as placa."

Sidney Jorge • 9 de janeiro de 2024

“Vai lendo as placa.”

     Algo que aprendemos na vida é a força das referências nas atualizações das realidades. Varia para cada pessoa, entretanto, podem construir novas percepções de acordo com os encontros pelo caminho e, as crenças que trazemos ao presente. Terei em vista refletir sobre esse assunto considerando a letra de uma música que gostamos de ouvir, principalmente em nossos deslocamentos no interior dos carros que nos serviram e nos levavam aos mesmos e aos novos lugares.


      A música é: “O índio” do álbum “O poeta e o menino” do artista Pablo Bertola.1 A canção apresenta uma história de um índio que deixou sua comunidade e foi para a cidade em busca de entrosamento, mas seu dialeto tupi-guarani não lhe permitiu se comunicar com o branco. Para tal, devia aprender português. Desde já podemos apontar um contexto antropológico implícito no encontro de culturas e, de pronto, a questão da linguagem.


     Seguindo, algumas referências dependem de quem encontramos pelo caminho. No caso do índio, em seu entusiasmo na busca de aprender português, “encontrou um babaca”. Que lhe disse: “Vai lendo as placa que o índio aprende de olhar.” A orientação encaminhou para uma metodologia que não definiu apropriadamente o resultado esperado, uma vez que ele, cheio de vontade para anotar suas descobertas, encontrou apenas placas influenciadas pelo estrangeirismo da língua inglesa presente no cotidiano da cultura brasileira.


     Tive a oportunidade de trabalhar com alfabetização de jovens e adultos na cidade de Contagem-MG na década de 90. Interessante que os alfabetizandos, no início do processo, chegavam, muitas vezes, testemunhando a alegria de reconhecer as placas que envolviam o dia a dia deles e delas. Mercados, lojas, letreiros dos ônibus, marcas dos produtos... sinalizações que sempre estiveram ali, pelo caminho e nada significaram até aquele momento. Só para atenuar que a observação das placas, talvez, não fosse tão ruim, o fato foi o encontro que não definiu bem quais deveriam receber a atenção. Independente disso, é bem verdade a imposição do inglês em nossa cultura.


   Continuando, o indígena encontrou em sua trajetória apenas placas com descrições em inglês. “Shopping, chesburguer, rock, playground, drops, drive, Showroow, Boite, Breakfest, stop, ... E por aí vai. Ao final, ele volta para sua gente, feliz em um estilo “contry, meio clubber, cool” e ao ser indagado se aprendeu o português ele responde: “Oh yes I do.” Atualmente, a lista poderia ser bem maior caso incluíssemos tantos outros verbetes: “ whatsapp, e-mail, PC computer trazendo uma lista de outras palavras, motherboard, mouse, mousepad, headphone, headset, , Facebook, Instagram, telefone virou smartphone, touchscreen, relógio, smartwhatch, pause... e uma sequência significativa de termos apropriados e usados inconscientemente.


      Atualmente, levamos as placas no bolso. O "smartphone" citado insiste em apresentar inúmeros anúncios, nada aleatórios, em todos os momentos requisitados. Basta acender a tela "touch screen" e a primeira olhada alcança uma propaganda tecnicamente escolhida por uma inteligência artificial - outra novidade do momento - com base na frequência dos conteúdos vistos pelo usuário. Não carece nem de um "babaca" pelo caminho para alertar sobre o poder das placas e seu processo subliminar. A interatividade, muitas vezes apática, entre a pessoa e o aparelho dá conta de alienar significativos espaços de tempo e, de vida, no consumo de vídeos, produtos e, infelizmente, misérias humanas espalhadas em diversas formas. A exposição do ridículo, incrivelmente, é o que mais gera dividendos às plataformas e aos criadores, sem definição de algum limite. Muitas pessoas ganham bastante dinheiro produzindo conteúdos, simplesmente ruins ou dignos de alguma admiração. E como se diz, é isso que prende, literalmente, as pessoas ao celular. Essas "placas" também influenciam a linguagem. Um dia desses, ouvi um jovem conversando com seu avô de 80 anos: meu filho, interessante, onde você ouviu isso? E o neto, todo confiante, respondeu: eu vi no "short" do "pod cast" no "youtube" no meu "notebook" enquanto fazia um "download" no "Chrome". O avô, que ainda mantinha seu velho rádio de pilha e insistia nas imagens embaçadas de uma televisão mais antiga, respondeu: É... interessante...


     Cabe salientar a importância do aparato tecnológico em muitas soluções permitidas por ele através das conexões, hoje necessárias para agilizar trabalho, pesquisas, viagens, negócios e várias maneiras de comunicação, mas é oportuno considerar os extremos vindos do uso que beira ao vício.


     Independentemente da primorosa arte da música, o conteúdo trouxe-me uma meta reflexão. As placas, normalmente, sinalizam algo, apontam como pode ser o caminho, identificam uma realidade. Lembro de uma época onde as placas de “vende-se” ou “aluga-se” não significavam nada para nós, eu e esposa, até o dia em que decidimos sonhar e comprar um imóvel. Elas sempre estiveram ali, mas não víamos até que despertassem o interesse em reconhecer a indicação delas. A partir daí, até hoje qualquer placa, em qualquer imóvel, instantaneamente absorve nossa atenção.


     Outro momento dessa jornada reflexiva é dizer que a vida segue assim. As placas, os sinais, estão sempre aí. Nesse caso, não depende apenas de quem encontramos pelo caminho, apesar dos encontros exercerem influências e oferecerem variáveis no percurso, o nível de consciência pode direcionar, inclusive, as melhores buscas e, até mesmo, os encontros. Até porque, há personagens históricos que ajudam a ressignificar as "placas". Ainda hoje, religiões se pautam em uma leitura fundamentalista dos escritos sagrados. É comum trazer em meus textos alguma referência bíblica. Jesus, várias vezes, disse a frase: “Antigamente foi dito, eu, porém, lhes digo!” (Mt 5,21.27.33.38.43)" ,  trazendo um sentido mais sublime e profundo à leitura dos antigos testamentos, propondo abandonar a prática efetiva de verdadeiras superficialidades e a mera doutrinação e seguir por um caminho onde o amor "a Deus e ao próximo como a si mesmo", (Tiago 2,8 ; 1 Jo 4 7,8; Mt 5, 43-44) torna-se a chave para a compreensão dos textos. 


     Os sinais de abundância, de prosperidade, de oportunidades, de possibilidades, envolvem a rotina das pessoas, conforme as placas que elas puderam identificar durante o trajeto. O contrário também é possível, sinais de escassez, precariedade, confusão, raiva, tristeza, reclamações estão em constante espreita de pessoas desavisadas, desatentas ou desorientadas. O que desejamos dizer é que todas as informações e experiências recebidas e vividas são como placas orientadoras para onde se deve seguir ou entrar. Um grande segredo é o estado de presença, de viver o presente intensamente, até mesmo, para ajudar acertadamente alguém que procura uma forma de aprender alguma coisa. Talvez, não gostaríamos de ser “um babaca” que não se disponha em orientar quais placas levam ao real e límpido propósito das outras pessoas. E, talvez, gostaríamos de ser o indígena em seu entusiasmo de viver novas experiências de aprendizagens, de comunicação, de convivência para enriquecer a si e à comunidade.


     Enfim, as placas que percebemos e reverberamos são resultados de nossa realidade interior, de nossas programações, de nossas memórias. Que tenhamos a disposição, a boa vontade de nos reorientarmos para uma realidade melhor se constatarmos que elas estão levando a algum desvio de propósito, principalmente quando temos a certeza de que a plenitude de Ser é o fundamental e revigorante propósito das pessoas no encontro da felicidade. Feliz Ano Novo! Que os sinais de alegria sejam constantes em nossas vidas!!!


         Referências:


1 -Pablo Bertola. O Índio. Álbum: O menino e o poeta. 2006.

    https://open.spotify.com/intl-pt/track/5LrbVtUYzL4VLlodLRjcsu


Índio saiu da mata
Deixou a taba
Foi pra cidade se entrosar
Falava tupi-guarani
E um dialeto
Não havia jeito de se comunicar

Índio pra ser cortês
Quis aprender português
Para com o branco uma idéia trocar
Mas índio cá na cidade
Que calamidade
Não sabia falar

Foi quando encontrou um babaca
Que falou: vai lendo as placa
Que o índio aprende de olhar

Com a letra desengonçada
E uma vontade danada
Pôs-se o índio a anotar

Shopping, cheeseburger, rock
Playground, drops
Drive-in, showroom
Boite, breakfest, stop
Outdoor, hot-dog
Big brother, fuck you

Camping, franchise, look
Sunshine, book
Marketing for woman
Closed, close-up, club
Resort, download
Fashion week for man

Índio voltou contente
Pra sua gente
Estilo country, meio clubber, cool
E quando lhe perguntaram
Se o português ele aprendeu
Prontamente respondeu:
Oh yes I do.

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