As duas sementes
As duas sementes
Certa vez, um homem caminhava por uma feira a olhar as barracas alinhadas e abastecidas por diversos produtos. Vestiários, ferramentas e alimentos compunham aquela diversidade de possibilidades. Músicas, gritos mais animados de alguns feirantes, destacavam o que havia nas suas bancadas. O homem, já com a bolsa cheia, seguia de volta para casa. Chamou-lhe a atenção a presença de uma pessoa com roupas de características indiana sentada num pequeno banco de madeira. Olhar sereno, com um livro nas mãos e parecia ouvir uma música instrumental quase inaudível devido o volume baixo e por estar abafada pelo volume alto das outras canções.
O homem ficara intrigado: O que esse sujeito estaria vendendo?
Movido pela curiosidade, aproximou-se e perguntou porque estava na feira o que ele oferecia em sua barraca.
O homem fez um gesto com as mãos e em seguida sinalizou para que ele chegasse mais perto do local. O que foi atendido. Depois, enfiou as mãos em uma sacola de pano e retirou duas sementes.
"Estou distribuindo essas sementes a quem desejar." Disse. "São nativas, por isso não se corre o risco de alterar o meio ambiente. São sementes especiais, seus frutos podem mudar a sua realidade. Não sei o que você faz, mas um dia poderá vir a esta feira com os frutos exclusivos e benéficos desta planta e ser o mais requisitado feirante daqui."
O homem, ainda cauteloso, assentiu com a cabeça, colocou suas sacolas no chão e estendeu a mão em direção às sementes. O ancião pousou a mão sobre a dele e com a outra organizou as sementes na palma da mão do desconfiado indivíduo.
Ainda envolvido pelas memórias um tanto quanto estranhas daquele encontro, encobriu as sementes com os dedos, depositou-as no bolso da camisa, recolheu as bolsas e voltou para sua caminhada pela rua da feira. Uns vinte passos adiante, parou, olhou para trás, deu meia volta e retornou ao local onde recebera as sementes. Queria perguntar o nome das plantas que elas virariam. Surpreendentemente não havia ninguém lá. “Será que foi um delírio?” Pensou. Conferiu o bolso e as sementes estavam lá. Seguiu para o lar.
Em casa, colocou as sementes em uma pequena mesa que tinha no quintal e fitou-as por um tempo. Percebeu que uma delas tinha umas manchas e um pequeno orifício enquanto que a outra mostrava-se perfeita. Esta situação deixou-lhe um pouco confuso. E agora? Plantaria as duas? Juntas? Separadas? Plantaria uma primeira? Qual delas? E se não as plantassem? Notou que deveria tomar uma decisão, teria que fazer uma escolha. A forma de como elas haviam chegado até ele o instigava a plantá-las.
Imaginou plantar aquela que parecia doente, esperar para ver se ela brotaria e depois plantar a outra. Recordou que o sujeito da feira não apresentou nenhuma recomendação, apenas entregou-lhe as sementes. Seria um teste ou um treinamento? Sendo assim, não deveria errar, pois a fonte das sementes não estava mais no local e não seria possível insistir em receber outras.
Escolheu plantar a semente furada. No quintal havia uma horta onde cultiva algumas hortaliças. Viu um pequeno espaço, cavou, adubou, jogou a semente e declinou o regador com boa quantidade de água. Todos os dias, pela manhã, antes de sair para sua atividade remunerada, molhava o local do plantio. A outra semente, deixou-a guardada num canto de um armário que tinha na varanda interna da casa.
Após duas semanas observou que a semente não havia brotado. Ousou remover a terra ao redor e viu que ela tinha apodrecido. Rapidamente se dirigiu à varanda, abriu o armário e pegou a outra semente. Ela não estava tão bonita quanto antes. Estava murcha e mofada, sem aquele brilho de quando ele a recebeu. Sentiu que deveria arriscar jogá-la ao solo e torcer para que ela nascesse. Assim o fez, plantou-a no mesmo local onde colocara a primeira. A mesma rotina fora seguida, água pela manhã e breve olhava à tarde quando voltava para casa. Por sorte, quem sabe, cinco dias depois, um broto escapou por sobre a terra levando o homem a um longo respiro de alívio.
No próximo final de semana, na sua caminhada pela feira, curiosamente, reencontrou a figura exótica que lhe dera as sementes. O senhor com roupas orientais, sob um sorriso, sinalizou que o homem se aproximasse e perguntou como foi a experiência com o plantio das sementes. Ouviu atentamente a história e disse para não se preocupar, porque cada pessoa agia diferente. “Teve pessoa que não as aceitou. Outras jogaram-nas fora. Plantaram a saudável primeiro.” Disse e continuou: “o ideal seria semeá-las juntas. A saudável alimenta a outra com uma energia especial que a faz brotar também as a duas se tornam como se fosse uma planta só. Porém a do furo torna=-se grata porque sabe que não conseguiria sozinha, por isso não atrapalha o desenvolvimento da semente saudável. A decisão de como será o plantio depende do momento de cada pessoa. Você teve sorte, estas sementes ficam juntas e se desenvolvem juntas, elas não são pegas aleatoriamente, desde a colheita ficam unidas até irem para a terra. Como disse, a intuição de como semeá-las está ligada as vibrações emocionais do semeador.”
O homem aproveitou o breve silêncio do mestre e agradeceu: “muito obrigado, aprendi com essa experiência. Entendo que as sementes são como a vida. Recebemos de graça e estamos aqui. A gente escolhe como quer vivê-la. Existem momentos agradáveis e plenos, porém há tempos de incompreensões também. Entretanto, ambos compõem, digamos, uma unidade a depender de quem a vive. Cada pessoa escolherá a semente que deseja plantar e os frutos, se vierem, serão resultado das emoções plantadas, sentimentos bons produzirão frutos bons, coragem, alegria, paz, disposição, razão, amor. Sentimentos de dúvidas, vergonha, medo, tristeza, provavelmente nem darão frutos. Corri o risco de não experimentar os frutos desta sabedoria ao decidir pela semente furada. Ainda bem que a outra brotou.”
O senhor ouviu, sorriu e correspondeu: “Que interessante o seu entendimento. De qualquer forma, sempre volto e ofereço mais duas sementes às pessoas que não tiveram sucesso, pois é importante outra chance para revisarem suas escolhas, suas decisões e suas práticas. Normalmente, depois de ver suas sementes nascidas, voltam agradecidas, maravilhadas e motivadas em transformar sua visão da própria vida. De fato, esse é o fruto esperado. Muito bem, ao voltar cuide bem de sua planta. Ela não cresce muito, mas ela é aquilo que ela é e trará a você boas memórias, ensinamentos e inspiração para os seus momentos. Grato pelo seu retorno e por essa agradável e proveitosa conversa!”
Nesse momento passou uma pessoa conhecida e tocou o ombro do homem cumprimentando-o e indagando-o sobre a família, o time de futebol e outras coisas. Ele voltou o olhar para trás por um instante e quando ia se despedir do senhor constatou que ele não estava mais lá. Tudo bem, já havia entendido todos os significados do que vivera diante aquela realidade. Jamais esqueceria e deixaria de pôr em prática os ensinamentos recebidos. Continuou pela rua da feira conversando com a pessoa amiga e no coração guardava uma emoção diferente e uma expectativa para chegar em casa e ver a plantinha que recebeu para cuidar.